“Estou farto desta freguesia e ela está farta de mim”, palavras para sempre gravadas na minha memória (com adulteração para omitir localidades que por decreto ideológico nunca são explicitadas).
Perdoem qualquer erro de sintaxe, ortografia ou frases sem nexo. Culpem os senhores que cultivam as uvas e os que fermentam as mesmas para embalar em garrafas de vidro.
10 anos… a maioria de nós nem sequer consegue identificar acontecimentos significativos de tal data… muito menos eu… mas, tinha eu também 10 anos, abriu um restaurante chamado “Toscana”. O Toscana foi palco de numerosos actos na minha encenação (leia-se novela mexicana) a que chamo de vida.
O Toscana nasceu na altura em que eu não sabia tomar decisões. Felizmente a minha mãe não tinha vontade de cozinhar certo dia e mandou-me ir buscar uma piza romana e um spaguetti bolonhesa. Mal sabia eu que essa formula perduraria por oito anos, mais dois com pequenas alterações. Mas o que é a comida? Nutrição? Muito mais! No Toscana, à minha frente e a meu lado, apenas sentei gente que me era significativa, desde a minha primeira namorada ao meu avô. O Toscana foi o local onde surgiram grandes teorias da conspiração, foi onde se planearam os maiores golpes contra a ignorância escolar, e ainda não me convenci que não foi lá que eu e o Bill Gates inventámos o Microsoft Windows (mas eu vendi-lhe os direitos por uma caipirinha).
Quase semanalmente, eu e o trio do não-sei-quantos (há 6 anos que estamos para lhe dar um nome) lá estávamos para mais um jantar sempre melhor que a maioria dos acontecimentos da freguesia, concelho, distrito e país (sem contar com a casa do avô Cantigas, onde as orgias são como o nariz do Sócrates, infindáveis). Nunca olhámos aquele espaço bege e vermelho como um restaurante, quanto uma casa onde queríamos ir, éramos bem recebidos e não dava vontade de ir embora. E existem várias razões para tal:
-Podemos começar logo pela mais simples, o dono não ostentava um pomposo bigode onde era notório o prato do dia de ontem.
-As paredes não eram forradas com azulejos para facilitar a limpeza do óleo utilizado na cozinha (embora tenha a dizer que desde que os outros estabelecimentos mudaram para variantes utilizadas nos ligeiros sem-chumbo, eu tenho aguentado muito melhor os seus gourmets – bitoque com ovo a cavalo).
-99% dos lugares sentados não estavam ocupados por gajos que proferem a palavra “tramoces” de 7 em 7 minutos (seriam 5 em 5 se não tivessem tão ébrios mas demora um pouco a processar).
-Não existia um barulho incessante que parece que estamos num concerto do Toni Carreira.
-A comida era feita de alimentos (sim, isto é importante).
-As mesas, cadeiras, chão, pratos, talheres e copos não ficavam colados nas mãos (embora coberto no segmento sobre azulejos, convém relembrar, já que tal evitava o embaraço de pensarem que estávamos a roubar quando simplesmente nos descuidámos e ficámos com um copo colado nas costas da t-shirt).
-98% dos pratos disponíveis não nos eram ditados por um senhor que claramente precisa de atenção médica ou um banho com um bom desincrustante para fogões e canalização. Os 2%, prato do dia, eram apresentados por alguém que não nos deixava a questionar acerca do conteúdo microbiano da refeição.
-As bebidas oferecidas variavam além da “mini”, “bagaço” e o “umtintinhe” (expressão utilizada universalmente para os “senhores” e outros benfiquistas se referirem a um copo de uvas fermentadas – atenção que tal é completamente diferente de vinho).
-A música de fundo excluía por princípio os (grandes) artistas da música popular portuguesa e os especialistas de clonagem de barulho de fundo de televisões analógicas (kizomba).
-Havia música de fundo.
-Havia música.
Já disse que o dono não tinha um bigode? É certamente chato entrar num estabelecimento e tropeçar logo na pilosidade de outrem. Especialmente quando tal nos faz cair, escorregar no chão oleoso até à cozinha onde um doutorado em “kizomba e estudos sobre estática de equipamentos electrónicos” está a cozinhar um bitoque com ovo a cavalo com óleo semi-sintético da repsol enquanto faz abortos às 30 semanas com a mesma espátula que usou para virar a carne e mudar de estação de rádio para a renascença. E depois temos que ir lavar as mãos, o que ainda é pior, isto porque tocámos na bancada de confecção para nos levantarmos.
Por tal ousadia, palavra proferida pelo dono, ao qual todos os meus leitores hão-de fazer uma vénia ou entregar a certidão de óbito na junta, o Toscana não era o local mais bem querido pelas grandes massas da vizinhança. Recordo acontecimentos como um afável gentleman que arremessou cinzeiros de vidro ao proprietário por não lhe servir mais alcóol ou mesmo quando este mandou calar os cavalheiros da litrosa, refiro-me claro aos chulos que preferem pagar uma imperial para ver o derby no ecrã gigante enquanto fazem tanto barulho quanto quando batem na mulher em vez de simplesmente comprarem a sportTV. É de certa forma normal, ele tentou alterar algo no sistema, este reagiu com repulsa, tentou ostracizá-lo. O Toscana viveu principalmente de gente que gostava de coabitar em sociedade em vez de grutas e tocas de palha. Eles foram meus vizinhos a certa altura, hoje tomaram o meu conselho e encontram-se a residir algures num local em que não se acorda às 9 da manhã com um comboio de português fora de prazo proclamado em alto e bom som à mulher, descrevendo as suas actividades com o amante de forma de tal modo pejorativa que a obriga a retorquir com iguais difamações acerca do caso amoroso entre o anterior e a empregada doméstica, que de momento está a parir o seu filho aos 3 meses com a ponta de um cabide de aço.
Há poucas semanas pensava que pessoas eu levaria aos meus anos no Toscana (invariavelmente um jantar teria que ser lá feito). Hoje, ou ontem, que entretanto já são duas da manhã, penso que tal saga acabou tão bem quanto começou, comigo e os dois amigos que me acompanharam na grande jornada que se iniciou no secundário. Talvez o tenha visitado, o melhor restaurante de sempre, antes disso, certamente que as minhas memórias são mais vivas apenas nos jantares onde de tudo se falou, onde três pessoas cresceram sob a luz de uns candeeiros muito engraçados e sobre pizas, apelidadas por uma ex nascida na Itália como “as mais parecidas com as melhores italianas”. Especialmente na ausência de indivíduos que não sabem colocar correctamente bonés, têm apenas frio numa perna e cuja parésia facial os impede de falar português correcto.
É absoluto que faltam imensos elementos neste modesto comentário, seja pela imensidão de histórias que nasceram no Toscana ou porque metade do meu cérebro já está a dormir há hora e meia, deixando-me pouco mais inteligente e apto que um símio ou um bloquista. Peço perdão, perdão pelo que não contei, provavelmente ouvi-lo-ão pela minha boca, e pela vontade que dei a alguns de ir a este fantástico restaurante, que nunca terão essa oportunidade. Esses são os mais infortunados, que nunca saberão que aqui, na terra em que vivo, um sitio decente não é impossível, não é proibido pelo local em si mas sim porque não há vontade, não existem pessoas que o queiram fazer.
E o pior de tudo, todas as que o fizeram estão a arranhar a porta de desespero para cair daqui para fora.
Tanto se anuncia hoje a partida de magna obra como mais um passo na queda do meu poiso, antro de desesperados e deprimidos, defuntos, ladrões, homicidas e comunas… a maioria do SLB.
Como últimas palavras só quero dizer “obrigado” ao [nome do dono que não vos interessa saber] por tudo, fizeste algo de inédito por aqui e espero que o teu próximo projecto seja tão bom e tão nobre quanto este. E inserido num sitio em que saibam apreciar tais atributos para não começarem a surgir cabelos brancos!
Perdoem qualquer erro de sintaxe, ortografia ou frases sem nexo. Culpem os senhores que cultivam as uvas e os que fermentam as mesmas para embalar em garrafas de vidro.
10 anos… a maioria de nós nem sequer consegue identificar acontecimentos significativos de tal data… muito menos eu… mas, tinha eu também 10 anos, abriu um restaurante chamado “Toscana”. O Toscana foi palco de numerosos actos na minha encenação (leia-se novela mexicana) a que chamo de vida.
O Toscana nasceu na altura em que eu não sabia tomar decisões. Felizmente a minha mãe não tinha vontade de cozinhar certo dia e mandou-me ir buscar uma piza romana e um spaguetti bolonhesa. Mal sabia eu que essa formula perduraria por oito anos, mais dois com pequenas alterações. Mas o que é a comida? Nutrição? Muito mais! No Toscana, à minha frente e a meu lado, apenas sentei gente que me era significativa, desde a minha primeira namorada ao meu avô. O Toscana foi o local onde surgiram grandes teorias da conspiração, foi onde se planearam os maiores golpes contra a ignorância escolar, e ainda não me convenci que não foi lá que eu e o Bill Gates inventámos o Microsoft Windows (mas eu vendi-lhe os direitos por uma caipirinha).
Quase semanalmente, eu e o trio do não-sei-quantos (há 6 anos que estamos para lhe dar um nome) lá estávamos para mais um jantar sempre melhor que a maioria dos acontecimentos da freguesia, concelho, distrito e país (sem contar com a casa do avô Cantigas, onde as orgias são como o nariz do Sócrates, infindáveis). Nunca olhámos aquele espaço bege e vermelho como um restaurante, quanto uma casa onde queríamos ir, éramos bem recebidos e não dava vontade de ir embora. E existem várias razões para tal:
-Podemos começar logo pela mais simples, o dono não ostentava um pomposo bigode onde era notório o prato do dia de ontem.
-As paredes não eram forradas com azulejos para facilitar a limpeza do óleo utilizado na cozinha (embora tenha a dizer que desde que os outros estabelecimentos mudaram para variantes utilizadas nos ligeiros sem-chumbo, eu tenho aguentado muito melhor os seus gourmets – bitoque com ovo a cavalo).
-99% dos lugares sentados não estavam ocupados por gajos que proferem a palavra “tramoces” de 7 em 7 minutos (seriam 5 em 5 se não tivessem tão ébrios mas demora um pouco a processar).
-Não existia um barulho incessante que parece que estamos num concerto do Toni Carreira.
-A comida era feita de alimentos (sim, isto é importante).
-As mesas, cadeiras, chão, pratos, talheres e copos não ficavam colados nas mãos (embora coberto no segmento sobre azulejos, convém relembrar, já que tal evitava o embaraço de pensarem que estávamos a roubar quando simplesmente nos descuidámos e ficámos com um copo colado nas costas da t-shirt).
-98% dos pratos disponíveis não nos eram ditados por um senhor que claramente precisa de atenção médica ou um banho com um bom desincrustante para fogões e canalização. Os 2%, prato do dia, eram apresentados por alguém que não nos deixava a questionar acerca do conteúdo microbiano da refeição.
-As bebidas oferecidas variavam além da “mini”, “bagaço” e o “umtintinhe” (expressão utilizada universalmente para os “senhores” e outros benfiquistas se referirem a um copo de uvas fermentadas – atenção que tal é completamente diferente de vinho).
-A música de fundo excluía por princípio os (grandes) artistas da música popular portuguesa e os especialistas de clonagem de barulho de fundo de televisões analógicas (kizomba).
-Havia música de fundo.
-Havia música.
Já disse que o dono não tinha um bigode? É certamente chato entrar num estabelecimento e tropeçar logo na pilosidade de outrem. Especialmente quando tal nos faz cair, escorregar no chão oleoso até à cozinha onde um doutorado em “kizomba e estudos sobre estática de equipamentos electrónicos” está a cozinhar um bitoque com ovo a cavalo com óleo semi-sintético da repsol enquanto faz abortos às 30 semanas com a mesma espátula que usou para virar a carne e mudar de estação de rádio para a renascença. E depois temos que ir lavar as mãos, o que ainda é pior, isto porque tocámos na bancada de confecção para nos levantarmos.
Por tal ousadia, palavra proferida pelo dono, ao qual todos os meus leitores hão-de fazer uma vénia ou entregar a certidão de óbito na junta, o Toscana não era o local mais bem querido pelas grandes massas da vizinhança. Recordo acontecimentos como um afável gentleman que arremessou cinzeiros de vidro ao proprietário por não lhe servir mais alcóol ou mesmo quando este mandou calar os cavalheiros da litrosa, refiro-me claro aos chulos que preferem pagar uma imperial para ver o derby no ecrã gigante enquanto fazem tanto barulho quanto quando batem na mulher em vez de simplesmente comprarem a sportTV. É de certa forma normal, ele tentou alterar algo no sistema, este reagiu com repulsa, tentou ostracizá-lo. O Toscana viveu principalmente de gente que gostava de coabitar em sociedade em vez de grutas e tocas de palha. Eles foram meus vizinhos a certa altura, hoje tomaram o meu conselho e encontram-se a residir algures num local em que não se acorda às 9 da manhã com um comboio de português fora de prazo proclamado em alto e bom som à mulher, descrevendo as suas actividades com o amante de forma de tal modo pejorativa que a obriga a retorquir com iguais difamações acerca do caso amoroso entre o anterior e a empregada doméstica, que de momento está a parir o seu filho aos 3 meses com a ponta de um cabide de aço.
Há poucas semanas pensava que pessoas eu levaria aos meus anos no Toscana (invariavelmente um jantar teria que ser lá feito). Hoje, ou ontem, que entretanto já são duas da manhã, penso que tal saga acabou tão bem quanto começou, comigo e os dois amigos que me acompanharam na grande jornada que se iniciou no secundário. Talvez o tenha visitado, o melhor restaurante de sempre, antes disso, certamente que as minhas memórias são mais vivas apenas nos jantares onde de tudo se falou, onde três pessoas cresceram sob a luz de uns candeeiros muito engraçados e sobre pizas, apelidadas por uma ex nascida na Itália como “as mais parecidas com as melhores italianas”. Especialmente na ausência de indivíduos que não sabem colocar correctamente bonés, têm apenas frio numa perna e cuja parésia facial os impede de falar português correcto.
É absoluto que faltam imensos elementos neste modesto comentário, seja pela imensidão de histórias que nasceram no Toscana ou porque metade do meu cérebro já está a dormir há hora e meia, deixando-me pouco mais inteligente e apto que um símio ou um bloquista. Peço perdão, perdão pelo que não contei, provavelmente ouvi-lo-ão pela minha boca, e pela vontade que dei a alguns de ir a este fantástico restaurante, que nunca terão essa oportunidade. Esses são os mais infortunados, que nunca saberão que aqui, na terra em que vivo, um sitio decente não é impossível, não é proibido pelo local em si mas sim porque não há vontade, não existem pessoas que o queiram fazer.
E o pior de tudo, todas as que o fizeram estão a arranhar a porta de desespero para cair daqui para fora.
Tanto se anuncia hoje a partida de magna obra como mais um passo na queda do meu poiso, antro de desesperados e deprimidos, defuntos, ladrões, homicidas e comunas… a maioria do SLB.
Como últimas palavras só quero dizer “obrigado” ao [nome do dono que não vos interessa saber] por tudo, fizeste algo de inédito por aqui e espero que o teu próximo projecto seja tão bom e tão nobre quanto este. E inserido num sitio em que saibam apreciar tais atributos para não começarem a surgir cabelos brancos!