segunda-feira, abril 14, 2008

Comboio vs. Automóvel

No decurso de uma conversa com a mãe da minha namorada, foi-me questionado porque não me desloco para a faculdade de Ramirez (e para os que desconhecem, refiro-me ao meu fantástico carro) em vez apanhar dois comboios e um metro.

A resposta parece-me óbvia: eu sou masoquista.

Continuando o hábito de ruminar acerca das minhas acções, discursos e discussões, respondo um pouco mais detalhadamente porque prefiro andar de comboio (e comboio e metro).

1. Os gastos em gasolina submeteriam o meu orçamento a grandes dificuldades, por outras palavras não poderia comprar de 15 em 15 dias algo que me parece muito giro\engraçado\interessante do momento em que lhe ponho olhos até 15 minutos depois de o comprar.

2. O ambiente. Não reciclo porque não quero pagar os putos irritantes da televisão a guincharem para reciclar, não planto árvores porque não tenho intenções de encobrir esqueletos de fetos mal mastigados (perguntem ao rafa), todo o santo dia desperdiço litros de água para remover as amarguras do dia anterior, aquecida a 40º para cima de modo a que solubilize toda a gordura que fez o seu trajecto da fábrica de bolos demasiado luzidios até cada milímetro de pele que recobre as minhas fantásticas entranhas. Não vou derreter petróleo e transformá-lo em diluente de calotes.

3. Comodidade. Não me acostumo à ideia de que tenho que passar 30 a 60 minutos sentado a virar um leme quando posso passar 30 a 45 minutos sentado ou em pé a ler, escrever e sentir medo pela minha vida.

4. Não aprecio o isolamento completo que se sente quando se está sozinho num carro. Prefiro o silêncio desconfortável que se sente no comboio.

5. Talvez a mais importante: se não viajasse de comboio não teria tantas histórias para contar! Ainda hoje estava confortavelmente sentado no meu assento desconfortável e verde quando se acercam dois cavalheiros britânicos disfarçados de “rastamen” e um deles habilmente e sem sentido de politicamente correcto inicia o processo de produzir um charro. Podia estar encarcerado no meu Ramirez a sofrer a tortura da música em condições e ar condicionado mas nãaaaaao! Estava a presentear o orgasmo do rastaman – a expectativa de que será este o charro que o fará sentir “aquela pancada” original, a primeira que lhe tirou a virgindade, no tempo em que ele tinha risco ao lado e experimentou uma “passa” por pressão do grupo. Ou a história do jovem que dizia que os heterossexuais eram naturalmente mais deprimidos (eu achei-o realmente deprimente) ou o homem que cheira a vinho às 7 da manhã.

E a oportunidade de ver o mundo através de uma amostra maior? Perguntem-se, com todas as idas e vindas de carro, têm realmente tempo para se debruçarem sobre a maravilha que é a fluidez dos seres humanos? Nunca ninguém ensinou regras de conduta do comboio, no entanto todos (quase, vamos excluir a escória da sociedade) agem similarmente, como o código do urinol (um urinol de intervalo) e outras regras implícitas! Como estamos todos inevitavelmente presos a uma rotina diária, nem que essa inclua inventar algo de novo para fazer. A paz de espírito de estar tão acompanhado mas tão reservado dentro de nós mesmos. A quebra inevitável do nosso espaço pessoal na hora de ponta, difícil no início mas habitual após uns dias. Admito que viajar de comboio de manhã para as aulas, apesar da horrível raiva que me dá ter que preparar uma hora para viagens, traz-me paz, um sentimento de que tudo está como deve estar no mundo, bem ou mal mas obedecendo ao relógio e à rotina. Durante a tarde e principalmente à noite pondero a hipótese de me roubarem a carteira e os rins, daí que seja apologista do automóvel em situações mais perigosas do que o habitual, mas fora isso não daria os meus mamarrachos verdes por nada neste mundo… excepto tudo além dos primeiros.

6. Já repararam quão difícil é arranjar lugar para estacionar em Lisboa? E tentar fazê-lo sem pagar a máfia da EMEL ou os técnicos de parqueamento público, mais conhecidos como “destrosse” ou “arrumadores de carros” como o Bill Gates gosta de lhes chamar quando vem a Portugal. E pelo menos sem perder o dinheiro do almoço? Pois é…

Após a exposição destes sucintos pontos, concluímos duas verdades:

1. Provei que sou masoquista
2. Não vou deixar de andar de transportes públicos até resolver o problema mencionado acima.


Estas foram as conversas com um polvo chamado José. Boa noite e até para a semana.

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