Afundo-me em mim própria… nos meus pensamentos, pensamentos que não consigo exprimir. Penso na vida da minha mãe, árvore majestosa, erguendo-se orgulhosamente dos terrenos húmidos, partilhando-os com as suas amigas. Isto até a terem cortado, claro. O derradeiro sacrifício, deu a vida por mim, sua filha. História tão dramática seria apenas conveniente que fizesse algo de útil com a minha existência! Mas não, permaneço aqui deitada, indiferentemente abraçando o topo da mesa e olhando nessas duas lentes por onde vejo um vazio mais vazio que eu. Não sou útil porque não me dás utilidade alguma. Olhas para mim como se me fosse escrever a mim própria, mas és tu que tens a caneta, és tu que tens os dedos borrados de tinta de tanto mexericar, como se uma fonte inesgotável de ideias fosse jorrar do seu bico. Então deixa-me dizer-te a cruel verdade. É só tinta! Veio da Mitsubishi, provavelmente a fórmula até é parecida com a do óleo dos carros! Está fitando com ar tão estúpido quanto eu a tua nulidade criativa! Escreve-me! ESCREVE-ME! Apaga o meu branco infinito com algo que se expresse mais que a minha apática face! Deixa-me sentir a pressão da esfera a corroer impiedosamente sulcos no meu corpo, gravar uma obra que faça rir, que faça chorar, que faça algo!
Só um rabisco, vá lá… não suporto mais a luz do teu candeeiro a cegar-me todas as noites ou aquele pombo idiota que cheira a pão e velhos a olhar para mim pela janela como se eu fosse uma bolacha todos os dias. Há quantos dias me tens aqui? Meses? Anos? Não percebo o tempo sem as minhas colegas da resma para conversar, nem os presidiários são assim tratados, ao menos têm uma parede para riscar os sóis que nasceram desde que ali entraram, pelo menos até alguém os transformar num coador porque sim.
Talvez seja eu, trago-te má sorte. Deita-me fora então, perdurarei para sempre, seja num pacote de leite ou noutra página, uma página em que uma mulher não morena como tu, com um sorriso não como o teu e uma história não como a tua, com uma motivação diferente da tua, depositará um mar de palavras infindável, lindo, comovente. Tudo o que eu sempre sonhei…
Se ao menos chegasse ao caixote. Por entre um mar de quinquilharia, um oceano de objectos a discutirem banalidades num frenesim, como se amanhã já lá não estivessem, o caminho para o lixo é a viagem de uma geração inteira. E eu não tenho pernas, oh, quanto dava para ter pernas. Ou uma boca para gritar contigo, para te contar o que me deves dizer com a tua pena, para depois me lerem e lerem tudo isto.
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