Não, não me vou dedicar à dissertação gratuita da honrosa bolacha, quiçá mais importante que as Oreo. Hoje dedico-me à arte humana de cometer os erros estando ciente das consequências. Por vezes esses erros trazem prazer a curto prazo, por vezes não, é certo no entanto que existem consequências nefastas a longo prazo! Porquê o paradigma da bolacha Maria? Para explicar apresentarei uma personagem, o Albano, criança de tenra idade, localizada na faixa etária preferencial do Bibi e que de modo algum está relacionada comigo.
Seis e meia da manhã, hora de acordar. Albano estica-se e salta da cama para a sala. Liga a caixinha mágica, fitando atentamente nos desenhos animados da manhã, repetição da repetição da repetição do Tom and Jerry. Tanto faz, podiam ser os teletubies, ele comia se fosse preciso! Comer… sim, o seu estômago começa agora a uivar, afinal de contas o seu nome é Albano e como tal foi-lhe já traçada a sina de vir a ter uma proeminente barriga. Felizmente ainda desconhece a arte gourmet do tramoço e da mine… não por muito tempo. Mas por agora convém é largar os rodeios e ir comer! Comer o quê? O que está mais à mão! Avidamente Albano abre a despensa e retira o primeiro pacote que lhe vem à mão. Volta a guardar as saquetas de chá que acabou de retirar, desta vez olha para o que tem à sua frente: massa crua, latas, farinha, bolachas Marias. Ah, manjar dos manjares, a bolacha dos deuses! Freneticamente remove um pacote da escura caverna de alimentos, luta epicamente para descascar as rodelas de paraíso da casca plástica, começa a comer. Tudo isto se passou muito mais depressa do que dá a parecer, Albano é criança simples, de vocabulário simples e praticamente imutável (embora venha a aprender muitos nomes de ruas na sua futura profissão). Demorasse ele tanto a pensar quanto demoram a ler, já estaria prostrado à porta do sustento alimentício, sem forças e possivelmente com abutres sobrevoando a sua seca carcaça… adiante! Meio pacote já se foi e agora Albano surpreendentemente formula na sua ervilha rascunhos de pensamento: Ele bem sabe que se continuar a comer vai passar a tarde a evacuar um líquido semi-pastoso, com uma frequência pouco agradável e acompanhada por cólicas abdominais que levantariam montanhas se fossem motores de gruas. Ele sabe-o porque ainda no outro fim-de-semana tal aconteceu, é tudo menos novidade.
“Bah, paciência”, exclama Albano e começa a comê-las como se fossem sanduíches de ar, duas de cada vez, na vertical por vezes, deitado no sofá, agora está a dar o Scooby Doo, aquele cão um dia tropeça nos lábios vaginais (nota do autor, o Albaninho ainda não tem idade para estas coisas), está quase no fim e pronto, já comeu o pacote!
Foi uma tarde amena, talvez até solarenga, com o suave odor a relva regada do quintal do nosso rebento a inundar a casa. Pelo menos foi assim até às sete da tarde, em que a bolacha Maria, gentil por um lado, impiedosa por outro, acossou o jantar do dia anterior à rebelião, entremeado com água dos leitos intestinais. Pelas sete da tarde o suave chilrear dos pássaros da região foi trocado pelo atormentado gemer de Albano. Pelas sete da tarde a fragrância da erva deu lugar à do adubo rapidamente depositado na sanita do primeiro andar.
E assim Albano aprendeu que não podia comer o pacote inteiro de bolachas Maria. E no fim-de-semana seguinte repetiu-se a sequência novamente.
Este é o modelo primordial do paradigma da bolacha. Possivelmente o primeiro contacto que qualquer um de nós teve com o mesmo! Hoje, já “crescidos”, trocamos maioritariamente este exemplo primário por vivências complexas, erros repetidos na nossa vida amorosa, comida estragada, marcas de equipamentos cuja experiência nos grita “NÃO PRESTA” e frases tortas que expelimos na discussão com superiores nossos. Afecta o mundo inteiro, falando do mundo como o grupo finito de pessoas que não se contentam, que querem mais, que desejam desafiar o futuro para uma vida melhor, em suma, os idiotas que ainda não sofreram o suficiente. E os repetidos eventos pouco nos fazem crescer, talvez crescer para os lados no caso das bolachas, pouco mais. Mas tudo seria inútil se assim fosse. Seríamos escravos dos nossos impulsos, deprimidos por não poder fazer nada quanto a eles.
Mentira. Algo pode ser feito. Provavelmente uma atitude que poucos chegam a racionalizar, não obstante uma que eventualmente a maioria adopta! Como eu tenho pouco para fazer pensei no assunto e cheguei a esta conclusão: muito (MUITO) raramente mudamos a nossa atitude, o Albano vai continuar a sorver milhares de calorias todas as manhãs, apenas aceitamos o nosso defeito como intrínseco, algo que não temos vontade de alterar e convivemos com as consequências. Tal como as mulheres se vão continuar a meter com chulos, os homens vão continuar a querer as pegas que não lhes ligam e o Albano comerá bolachas a dar com um pau (a expressão mais idiota do ano, diga-se de passagem), em comum têm que as mulheres vão aceitar as suas injecções de penicilina para a sífilis estoicamente, os homens vão estoicamente aceitar o dia em que mandaram pastar as cabras e o Albano estoicamente aceitará o óleo que lhe corre pelo ânus ao sábado à tarde.
E todos viveram felizes e profundamente perturbados para sempre!
Desejo terminar esclarecendo que o nome de uma pessoa não a define de maneira alguma. No entanto é do conhecimento geral que eu vivo num mundo mágico e de modo às minhas teorias brilhantes resultarem precisam de se fiar muito em premissas que se afastam da verdade tanto quanto o nariz de silicone das celebridades. Não pretendo ofender ninguém e se alguém se sentir realmente atingido, peço sinceramente que se atirem de um penhasco, se não se sabem rir nem deviam estar aqui!
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